Canil Von Gladsheim Woden - Doberman RS

Giardiase Canina - Informativo Doberman RS

Giardiase
 
Giardiase
VIGNARD-ROSEZ, K.S.F.V; ALVES, F.A.R. BLEICH, I.M.
INTRODUÇÃO
Giardia é um protozoário flagelado binucleado, presente no trato intestinal dos humanos e de vários animais mamíferos no mundo inteiro.13,2 Estudos em cães revelam uma prevalência de 10% a 20% em animais bem tratados.1,7 As maiores prevalências são encontradas nos animais jovens, principalmente até um ano de idade, encontrando-se de 26 a 50% de animais parasitados; e em canis, onde o parasita pode ser encontrado em até 100% dos animais.1,7 Por outro lado, em gatos a prevalência é menor, variando entre 1,4 a 11%.1,13
Apesar da alta prevalência, nem todos os animais apresentam a doença clínica.1 Mesmo assim, a Giardia tem importância epidemiológica por causar uma doença séria (quando presente), além de possuir um elevado potencial zoonótico.1
EPIDEMIOLOGIA
Todos os mamíferos são susceptíveis à infecção por Giardia. A contaminação ocorre por via oro-fecal, ou seja, através da ingestão de cistos eliminados nas fezes dos animais, presentes no meio ambiente, na água, nos alimentos; ou ainda de cistos aderidos à pelagem dos animais.
Uma vez contaminado, o animal elimina os cistos nas fezes, após um período de pré-patência de 1 a 2 semanas. Todo animal infectado pela Giardia, apresentando ou não os sinais clínicos, eliminará os cistos, configurando um foco importante de contaminação.
A contaminação de fontes de água por cistos constitui um dos principais fatores para a manutenção da doença. Com efeito, os cistos são extremamente resistentes em água fria, podendo contaminar todos os animais susceptíveis, inclusive o homem. Acredita-se que a taxa de contagio em humanos esteja diretamente ligada à taxa de contaminação das fontes de água.8 Paralelamente, observa-se que a contaminação da água, é inversamente proporcional a qualidade sanitária do local ou seja, quanto menores forem as condições sanitárias, maiores são as taxas de incidência de Giardíase.9,10
CICLO DE VIDA
O parasita possui duas formas principais, a forma trofozoíta e a forma cística. O trofozoíto é móvel e pouco resistente no meio ambiente, sendo ele o responsável pela enfermidade nos hospedeiros.6 O cisto é imóvel e resistente no meio ambiente, constituindo a forma latente do parasita. A forma cística pode sobreviver por vários meses no meio ambiente úmido e frio, no entanto, ela é pouco resistente em locais com baixa umidade e temperaturas elevadas.1

Esquema 1: Ciclo da Giardia.
O ciclo da Giardia é direto, e relativamente simples (conforme ilustrado no esquema 1). O animal se infecta ao ingerir o cisto, que poderá estar presente em alimentos ou em água contaminada. Ao atingiram o estômago e o duodeno, os cistos são rompidos pela ação das enzimas gástricas e pancreáticas. Cada cisto libera dois trofozoítos que irão colonizar o Intestino Delgado do hospedeiro. Sob condições apropriadas estes trofozoítos são novamente transformados em cistos. Cada um destes novos cistos poderá romper-se no próprio hospedeiro liberando dois novos trofozoítos, ou então ser eliminado nas fezes, após um período de pré-patência de 1 a 2 semanas. Uma vez no meio ambiente, os cistos podem ser novamente ingeridos pelo hospedeiro, completando o ciclo.6
PATOGENIA E ACHADOS CLÍNICOS
A patogenia da Giardíase ainda não está completamente estabelecida.13 Na maioria dos casos, os animais adultos são portadores assintomáticos, favorecendo a eliminação de cistos no meio ambiente, podendo contaminar outros animais e o homem.
Quando ocorre a doença clínica, o principal sintoma observado é a diarréia, que pode ser aguda, auto-limitante ou crônica.13 Isto ocorre em conseqüência da fixação dos trofozoítos na bordadura em escova dos vilos da mucosa intestinal.1 Neste caso, verifica-se uma lesão das estruturas dos vilos e microvilos, reduzindo a área de absorção em até 50%.10 Sobrevem então uma diminuição da digestão e da absorção de diversos nutrientes, incluindo dissacarídeos, gorduras e vitaminas.1,6 Logo, a diarréia observada nas infecções por Giardiaterá as mesmas características de uma diarréia por má absorção, estando as fezes amolecidas, pálidas (esteatorréicas) e com odor forte. O animal pode apresentar também flatulência e vômito.1,13
Ademais, devido à diarréia, o animal perderá peso e apresentar-se-á debilitado. No entanto, raramente teremos febre e outros sinais sistêmicos associados, assim como diarréias extremamente aquosas ou hemorrágicas devido apenas à Giardia.6
Animais parasitados pela Giardia podem apresentar infecção simultânea por outros agentes enteropatogênicos como: coccídeas (Toxoplasma gondiiIsospora spp. , etc), bactérias (SalmonellaEnterobacterE. coli), helmintos e/ou cestódeos. Nestes casos, o quadro clínico pode apresentar-se agravado, perdendo as características de uma infecção exclusivamente por Giardia11.
FATORES RELACIONADOS À GIARDÍASE CLÍNICA
Geralmente observa-se maior ocorrência da Giardíase clínica nos animais jovens, sendo que a maioria dos casos ocorre em animais com menos de um ano de idade.13 Este aspecto sugere que existe uma certa imunidade adquirida após a primo infecção.6 No entanto, esta imunidade não impede o animal de se re-infectar, e consequentemente, liberar os cistos nas fezes.13
Paralelamente, observa-se que ninhadas provenientes de fêmeas sabidamente parasitadas podem apresentar a Giardíase clínica. Por conseguinte, exclui-se a proteção contra a Giardiaatravés da imunidade passiva.2
Estima-se que para contaminar-se um animal deva ingerir uma dose infectante superior a 10 cistos, sendo que o equilíbrio parasito-hospedeiro varia segundo a virulência do parasita, e do estado nutricional e imunológico do hospedeiro4.
DIAGNÓSTICO
Os métodos de diagnóstico da Giardíase são relativamente simples e baratos. No entanto, o êxito deste exame depende da visualização de estruturas específicas do agente, e logo da experiência do profissional.11
O diagnóstico pode ser realizado através de um exame direto das fezes ou pelo método de flutuação em sulfato de zinco.
O exame direto de fezes consiste em diluir as fezes frescas em solução fisiológica, e observar os trofozoítos em preparação lâmina/lamínula no microscópio óptico com objetiva de 40x. Os trofozoítos geralmente são reconhecidos por terem motilidade rápida e superfície ventral côncava. Os cistos poderão estar presentes, mas sua identificação é difícil por este método.13
Caso não se evidencie os trofozoítos no exame direto das fezes, deve-se sempre realizar a procura de cistos pela técnica de flutuação em sulfato de zinco (quadro 1). Haja vista o período de pré-patência de 1 a 2 semanas, deverão ser realizados 3 exames seqüenciais intervalados de uma semana cada, para confirmar o diagnóstico negativo de Giardíase. Para realizar esta técnica são necessárias fezes frescas ou resfriadas, evitando-se congelar a amostra.13
MÉTODO DA FLUTUAÇÃO EM SULFATO DE ZINCO
1. Misturar aproximadamente 2 gramas de fezes com 15mL de solução de sulfato de zinco a 33% (33 g de sulfato de zinco em 100mL de água destilada, gravidade específica 1,18).
2. Filtrar a solução.
3. Colocar o filtrado num tubo de centrífuga de 15mL (preferível usar tubos de plástico)
4. Colocar o tubo na centrífuga.
5. Centrifugar a 1 500 rpm por 3 a 5 minutos.
6. Retirar 1 a 2 gotas da superfície e colocar em lâmina/lamínula. Visualizar em microscópio óptico.
Nos casos de esteatorréia, é interessante realizar a sedimentação com éter: Misturar a amostra com água, filtrar, e colocar em um tubo de centrífuga com 2 a 3 mL de éter. Após a centrifugação, retirar o sobrenadante. Ressuspender o pellet, e analisar uma gota em lâmina/lamínula.
Quadro 1: Método da flutuação em sulfato de zinco.13
TRATAMENTO
Existem várias drogas que já foram testadas para o tratamento da giardíase, entre elas estão o Metronidazol, a Quinacrina, o Albendazol, o Fenbendazol e a Furazolidona . Dentre estas, o Metronidazol é a droga mais utilizada nos Estados Unidos para o tratamento da Giardíase.
O Metronidazol possui além de sua atividade como antiprotozoário, uma atividade como antibacteriano, atacando bactérias anaeróbias como Clostridium spp., Fusobacterium spp.,Peptococcus spp. e Bacteroides spp. 3,13. A droga apresenta in vitro propriedades anti-inflamatórias e afeta a motilidade de neutrofilos, assim como alguns aspectos da imunidade celular. Acredita-se que estes fatos sejam parcialmente responsáveis pela melhora do quadro clínico, em especial, nos quadros de enterocolite.5
Raramente observa-se efeitos colaterais devido ao uso do Metronidazol, no entanto alguns animais poderão apresentar vômitos e diarréia. Por possuir efeito teratogênico, esta droga não deve ser utilizada em fêmeas prenhes.1 Em cães, as doses recomendadas são de 25mg/Kg via oral, duas vezes ao dia por 5 dias; e 12,5 a 25mg/Kg via oral, duas vezes ao dia por 5 dias, em gatos.13 O Metronidazol é igualmente vantajoso nos casos onde os tratamentos anteriores não funcionaram. Nestes casos, recomenda-se utilizar doses maiores de Metronidazol, por um período de tempo maior (50mg/Kg, V.O., BID, por 10 dias).6
Como foi mencionado anteriormente, a diarréia pode ser causada por infecções simultâneas por diferentes agentes enteropatogênicos. Deste modo torna-se interessante a associação de drogas ampliando o espectro de ação, como por exemplo a associação de Metronidazol com a Sulfadimetoxina. Com efeito, enquanto o Metronidazol atua preferencialmente contraGiardia, a Sulfadimetoxina age contra outros protozoários e bactérias patogênicas do trato gastrintestinal.3 Deste modo, a associação Metronidazol/Sulfadimetoxina representa um valioso instrumento terapêutico para o clínico.
O tratamento deve ser restabelecido caso não ocorra resolução dos sintomas. Existe a grande probabilidade do animal persistir eliminando os cistos nas fezes, mesmo após tratamento.
Algumas drogas utilizadas no tratamento da Giardíase e suas respectivas posologias estão resumidas no quadro 2.
DrogaHospedeiroDosagemDuração do Tratamento
MetronidazoleCães25 mg/Kg BID5 dias
Gatos12,5 a 25mg/Kg BID5 dias
FenbendazoleCães50mg/Kg/dia3 dias
AlbendazoleCães/ Gatos25mg/Kg BID2 dias
FurazolidonaGatos4 mg/Kg BID5 a 10 dias
QuinacrinaCães/ Gatos6,6 mg/Kg BID5 dias
Quadro 2: Principais drogas utilizadas no tratamento da Giardíase (adaptado de BARR et al., 1994).
CONTROLE
Em virtude da dificuldade em se tratar a Giardíase, juntamente com a grande quantidade de animais portadores assintomáticos mesmo após o tratamento, o controle torna-se importante para diminuir o estabelecimento de novos casos, especialmente em canis e gatis.
O controle efetivo baseia-se em três pontos principais: desinfecção do meio ambiente, desinfecção dos animais e prevenção da reinfecção.
Previamente à descontaminação do ambiente deve-se retirar toda a matéria orgânica do local. Água fervente ou uma solução de amônia quaternária (deixando agir por 30 a 40 minutos) poderão ser utilizadas na desinfecção do local. Como a Giardia é pouco resistente em locais secos, o ambiente deverá estar completamente seco antes da reintrodução dos animais. Ambientes com grande exposição à luz solar podem favorecer o controle da doença.1
Os animais devem ser banhados antes de voltar ao local. Isto implica em lavar o animal com xampu, visando a remoção dos cistos aderidos à pelagem. Após enxaguar, deve-se aplicar uma solução de amônia quaternária sobre o pelame, especialmente na região perianal. Após 3 a 5 minutos deve-se remover a solução de amônia quaternária com enxágües repetidos para evitar irritação da pele e mucosas. Anteriormente à reintrodução dos animais no ambiente desinfetado, eles deverão estar completamente secos, e recomenda-se tratá-los contra a Giardia.1
Para evitar-se novas infecções deve-se evitar a reintrodução do parasito. Para tanto, todos os novos animais deverão ser mantidos separados, tratados para a Giardia e limpos antes de serem introduzidos na criação. Um pedilúvio com uma solução de amônia quaternária deverá ser colocado na entrada do estabelecimento. Deve-se também verificar e assegurar a qualidade da água utilizada no local.
Em canis com alta incidência de Giardia , é recomendado a realização sistemática de exames parasitológicos antes, durante, e após qualquer tratamento.
GIARDÍASE E SAÚDE PÚBLICA
O potencial zoonótico da Giardia spp. ainda não é certo. Porém, existem fortes evidências que o homem possa contaminar os animais e vice versa. Paralelamente, espécies de Giardia spp. obtidas de fezes humanas e de animais mostraram-se indistinguíveis.12 Por outro lado, observa-se que regiões com alta prevalência de Giardíase em cães, também possuem altas taxas da doença no homem.10
No entanto, conclusões definitivas não podem ser feitas devido a falta de informação sobre o assunto. Portanto, parece ser importante, enquanto houver esta suspeita, tratar os animais e educar os proprietários, em especial as crianças, para as boas práticas de higiene.11
REFERÊNCIAS:
(1) BARR, S.C.; BOWMAN, D.D. Giardiasis in Dogs and Cats. Compend. Contin. Educ. Pract. Vet., 16(5): 603-14.
(2) DUBEY, J.P. Intestinal protozoa Infections. Small Animal Practice, 23(1): 37-55, 1993.
(3) FERREIRA, A.J.P; DELL´PORTO, A. Agentes antiprotozoários, In: SPINOSA, H.S; GÓRNIAK, S.L.; BERNADI, M.M. Farmacologia Aplicada à Medicina Veterinária, Guanabara Koogan, 2a ed: 467-79, 1999.
(4) FICHER, M. Giardia in Dogs, In: Vet on Line, http://www.priory.com/vet.htm
(5) GROMAN, R. Metronidazole Compendium, December:.1104-7, 2000
(6) KIRKPATRICK, C.E. Giardiasis. Small Animal Practice, 17(6): 1377-87, 1987.
(7) LALLO, M.A., Ocorência de Giardia sp em cães na grande São Paulo. (Resumo) APINCO, Goiás, 1994
(8) LEVESQUE, B.; ROCHETTE, L.; LEVALLOIS. P.; BARTHE, C.; GAUVIN, D.; CHEVALIER, P. Study of the incidence of giardiasis in Quebec (Canada) and association with drinking water source and quality. Rev. Epidemiol. Sante Publique, 47(5): 403-10, 1999.
(9) LUWWIG, K.M.; FREI, F.; ALVARES FILHO, F.; RIBEIRO-PAES, J.P. Correlation between sanitation conditions and intestinal parasitosis in the population of Assis, State of São Paulo.Rev. Soc Bras. Med. Trop., 32(5): 547-55, 1999.
(10) MELONI, B.P.; THOPSON, R.C.; HOPKINS,R.M.; REYNOLDSON, J.A.; GRACEY, M. The prevalence of Giardia and other intestinal parasites in children, dogs and cats from aboriginal communities in the Kimberley. Med. J. Aust., 158(3): 157-9, 1993.
(11) OLSON, M.; THOMSON, A.; TWEDT, D.; LEID, M.; ZISLIN,A.; SCHANTZ, P. Update: GIARDIA Roundable Discussion Proceedings, Fort Dodge Animal Health, 1999.
(12) SOGAYAR, M.I.L; CORRÊA, F.M.A Giardia in dogs in Botucatu, São Paulo state, Brazil: A comparative study of canine and human species. Rev. Ciênc. Bioméd., 5: 69-73, 1984.
(13) ZAJAC, A.M. Giardiasis. Compend. Contin. Educ. Pract. Vet., 14(5): 604-11, 1992.