BREVES
COMENTÁRIOS À RESOLUÇÃO 877 DO CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA
1. RESUMO
DOS ASPECTOS TÉCNICOS
O
Conselho Federal de Medicina Veterinária, por intermédio da Resolução nº 877,
publicada no último dia 19 de março, regulamenta alguns procedimentos
cirúrgicos em animais, e, entre as questões polêmicas, proíbe a conchectomia (cirurgia de redução das orelhas), e
aconselha a não realização da caudectomia (corte da cauda).
Diz o
art. 7º da malfadada Resolução:
Art. 7º Ficam proibidas as cirurgias consideradas desnecessárias ou que possam impedir a capacidade de
expressão do comportamento natural da espécie, sendo permitidas apenas as cirurgias
que atendam as indicações clínicas. (grifos nossos).
§1º São considerados procedimentos
proibidos na prática médicoveterinária: conchectomia e cordectomia em cães e, onicectomia em felinos.
§2º A caudectomia é considerada um procedimento
cirúrgico não recomendável na prática médico-veterinária.
Seriam
as mencionadas cirurgias desnecessárias considerando as funcionalidades das
respectivas raças? Tais cirurgias impedem a capacidade de expressão do
comportamento natural das raças? Podemos definir a conchectomia e caudectomia em cães como cirurgias meramente
estéticas? São também mutilantes?
Com todo
o respeito ao Colendo Conselho Federal de Medicina Veterinária, a literatura
técnica qualificada aponta no sentido contrário.
A conchectomia (cirurgia de orelha) e a caudectomia (corte da cauda), há muito deixaram
de ser consideradas cirurgias desnecessárias, estéticas ou mutilantes pelos profissionais da área,
principalmente por aqueles que conhecem a funcionalidade das raças atingidas
pela proibição. Atualmente, tais procedimentos cirúrgicos são considerados
como eletivos, pois atendem às necessidades funcionais e zootécnicas das
raças caninas, que delas se utilizam[1].
Não se sabe porque, atualmente, provavelmente por conveniência ou
algo parecido, são chamados de mutilantes. Aliás, não encontramos na
literatura veterinária o termo “mutilante”, e sim estético ou cosmético.
Maria Ignez Carvalho Ferreira,
Professora adjunto do Departamento de Medicina e Cirurgia - Instituto de
Veterinária - Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, com muita propriedade afirma que “a tradição de se rotular estas
cirurgias como “estéticas” ou “mutilantes” foi adquirida em função do
desconhecimento de alguns princípios básicos”, que disserta em seu trabalho
anexado a este artigo ao final.
Na
verdade, a lição da referida professora, nos dá tranqüilidade em concluir que
as cirurgias em questão não são mutilantes, não são desnecessárias e não
possuem características meramente estéticas como sustentam alguns
profissionais da área, principalmente aqueles não familiarizados com as raças
atingidas pela absurda proibição contida da Resolução 877 do CFMV.
Ao
contrário, nos faz concluir que tais procedimentos devem ser nominados como
funcionais, isto é, relativos às funções originais das raças,
várias delas oriundas
de mistura racial.
“Há de se notar que a conchectomia não é praticada nos cães cuja função
zootécnica é a caça, ficando praticamente restrita aos cães de proteção que
necessitam de maior acuidade auditiva na realização da função para o qual foi
selecionado.
A conchectomia realizada dentro de técnicas éticas,
não impede de maneira alguma a capacidade de expressão do comportamento
natural da espécie, muito pelo contrário. Cortando-se parcialmente a aurícula
dos cães de proteção, os movimentos de ereção, abaixamento e rotação das
orelhas ficam facilitados, dando aos cães melhores condições de espantar
insetos e se proteger de mordida de outros cães. Tal procedimento também
facilita a circulação de ar no conduto auditivo, diminui a umidade local e melhora
a percepção dos sons e acuidade auditiva, diminuindo as chances de
proliferação de microorganismos que conduzem à otite.
Quanto à caudectomia ela é realizada nos cães de caça,
com a finalidade de evitar acidentes e está na dependência do tipo de terreno
onde o animal trabalha e da forma como o cão porta a cauda. Nos cães de
proteção, a caudectomia só é realizada nas raças que portam
a cauda acima da linha do dorso. Seu objetivo é diminuir os pontos de apoio
para quem pretenda neutralizar a ação do cão. Todas as raças nas quais a caudectomia é realizada, têm como característica
o porte da cauda acima da linha do dorso e mobilidade acentuada.Estas
características predispõem os animais de trabalho ao desenvolvimento de
ferimentos freqüentes e neurites, o que invariavelmente conduzem a uma
amputação da cauda em idade avançada” (trecho citado da prof. Maria Ignez Carvalho
Ferreira – v. final deste artigo).
Edgard
Morales Brito, Médico Veterinário especialista nas cirurgias recentemente proibidas,
e também criador da raça dobermann, igualmente sustenta com propriedade as
características da conchectomia e da caudectomia, deixando evidente tratar-se de
procedimentos funcionais (v. artigo completo no final deste artigo).
Dos aspectos legais
1. DA INCOMPETÊNCIA
DO CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA VETERINÁRIA PARA PROIBIR PRÁTICAS
VETERINÁRIAS
Consoante detida análise do art. 22
do Decreto nº 64.704, DE 17 DE JUNHO DE 1969, a resolução nº
877 do Conselho Federal de Medicina Veterinária, está fadada a ser declarada
como nula, desde que a proibição da conchectomia e da caudectomia, não está compreendida entre as
inúmeras atribuições do referido órgão.
Art. 22. São atribuições do CFMV:
a) organizar o seu regimento interno;
b) aprovar os regimentos internos dos Conselhos Regionais,
modificando o que se tornar necessário para manter a unidade de ação;
c) tomar conhecimento de quaisquer dúvidas suscitadas
pelos Conselhos Regionais e dirimi-las;
d) julgar em última instância os recursos das deliberações
dos Conselhos Regionais;
e) publicar o relatório anual de seus trabalhos incluindo a
relação de todos os profissionais inscritos;
f) expedir as resoluções que se tornarem necessárias à fiel
interpretação e execução do presente regulamento;
g) propor ao Governo Federal as alterações da Lei nº
5.517/68 e deste regulamento, que se tornarem necessárias, principalmente as
que visem a melhorar a regulamentação do exercício da profissão de
médico-veterinário;
h) deliberar sobre as questões oriundas do exercício das
atividades afins às de médico veterinário;
i) realizar, periodicamente, reuniões de Conselheiros
Federais e Regionais para fixar diretrizes sobre assuntos da profissão;
j) organizar o Código de Deontologia Médico-Veterinária;
L) deliberar sobre o previsto no
Artigo 7º deste regulamento;
m) delegar competência para
atividade cultural, científica ou social à Sociedade Brasileira de Medicina
Veterinária e decidir sobre delegação de competência dos Conselhos Regionais
às Sociedades Estaduais de Medicina Veterinária para o exercício das
atividades citadas nesta alínea.
Parágrafo único As questões
referentes às atividades afins com outras profissões serão resolvidas através
de entendimento com as entidades representativas dessas profissões.
O referido decreto que, por razões
óbvias deve ser considerado taxativo, em hipótese alguma, e por mais que
possamos ampliar o seu alcance, sugere ter o Conselho atribuição para proibir
atividade de veterinário, principalmente atividade outrora permitida e
ensinada até a pouco tempo nos bancos das Universidades.
Não nos consta ter o Conselho
proibido cursos ministrados por entidades fiscalizadas por ele mesmo, visando
o aperfeiçoamento das cirurgias polêmicas alcançadas pela pseuda proibição.
É óbvio que eventual proibição só
pode ter como suporte a lei, desde que haja fundamento para que o legislador
tenha motivos para editar uma lei que, efetivamente, possa vir a proibir os
mencionados procedimentos cirúrgicos.
Ninguém tem o poder de proibir um
profissional de trabalhar, a não ser a lei, editada com as necessárias
justificativas.
Novamente, nos socorremos de um dos
princípios basilares do nosso Direito, isto é, “ninguém é obrigado a fazer ou
a deixar de fazer algo, senão em virtude de lei”.
Assim, a referida resolução deve ser
considerada nula, sem efeito, sem qualquer coercitividade, na parte em que proíbe as
cirurgias da conchectomia e da caudectomia.
2. DO
CONTEÚDO DA RESOLUÇÃO 877.
Após a
breve dissertação a respeito da natureza das cirurgias proibidas pelo CFMV, e
de considerá-las funcionais e não meramente estéticas,
desnecessárias e mutilantes, passamos a analisar os efeitos
jurídicos da resolução em questão.
Inicialmente
é de se ressaltar que a resolução do CFMV só atinge os profissionais da área,
isto é, os veterinários. Como não é lei, não tem alcance geral e não obriga
às demais pessoas. Assim, pela resolução, somos forçados a concluir um
absurdo, ou seja,apenas os veterinários estão proibidos de realizar as
mencionadas cirurgias. Portanto, a resolução estabelece uma regra que
atinge mortalmente qualquer definição de bom senso. Os profissionais que na
verdade são os únicos aptos a realizar os referidos procedimentos, estão
proibidos de executá-los.
Qualquer
curioso, criador ou possuidor de cães, pode realizar sem problemas o
procedimento, pois, como já dissemos, a resolução não alcança as demais
pessoas, apenas os veterinários. Não se há de cogitar da aplicação da regra
contravencional do exercício irregular de profissão, pois quem corta orelhas
de seus próprios cães, não é profissional e nem vive disso.
Logicamente,
surgirão inúmeros charlatões ditos práticos que realizarão os procedimentos.
E o pior é que a resolução diz estar preocupada com o “bem estar” dos animais[2].
Isso parece verdadeira piada.
Enquanto
isso, o mesmo Conselho, parece ignorar o crescimento desmedido das
castrações, essas sim mutilantes e que modificam negativamente o
temperamento dos cães, sob os discutíveis fundamentos de prevenção de câncer
ou de controle populacional[3].
E as eutanásias, feitas indiscriminadamente nas clínicas veterinárias?
Assim,
os donos de cães têm o livre arbítrio de castrar e matar seus amigos fiéis,
mas não podem contratar um profissional habilitado para a execução de
procedimentos cirúrgicos pertinentes às funcionalidades rácicas.
É de
pasmar a falta de conhecimento das peculiaridades de cada raça, demonstrada
pelo conselho.
Ao que
consta, a medida está destituída de qualquer apoio estatístico, como por
exemplo, quantos animais morreram nas questionadas cirurgias ou ficaram
inutilizados. Qual a metodologia estatística aplicada? Que levantamento
bibliográfico dá apoio a tais afirmações? Interessante que levantamento do
próprio Conselho, a procura por cirurgias de corte em orelhas e caudas dos
cães reduziu nos últimos anos.
Ridículo
o argumento de que as referidas operações cirúrgicas causam dor e sofrimento
desnecessários aos animais. Ou a castração e a eutanásia são indolores?
Lamentavelmente,
falta conhecimento técnico básico ao Conselho, desde que sequer investigaram
o que significaria a convivência em matilha desses cães atingidos pela
proibição, sem a execução das ditas cirurgias. Um dobermann exercendo a
função de guarda, por exemplo, com orelhas íntegras e caudas compridas,
estaria totalmente fragilizado no embate.
Ressalte-se,
inclusive, ter o referido Conselho agido de forma a depreciar sua própria
classe, desde que inúmeros são os profissionais que se especializaram nessas
cirurgias proibidas, que têm nas mesmas o ganha pão. Que se danem esses
veterinários! Uma simples resolução atinge profissionais que há muitos anos
realizam os mencionados procedimentos.
Se o
acima narrado já não bastasse, como já dissertamos acima, a resolução é
flagrantemente inconstitucional, desde que proíbe o exercício de ato de
especialista, outrora permitido. Isso só a lei pode fazer, e assim mesmo
apoiada em fatos concretos e irrefutáveis, jamais em conjecturas. E ninguém
está obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude de
lei (CF art.5º, inc. II).
Por não
se caracterizarem as ditas cirurgias como estéticas, desnecessárias ou mutilantes, e sim funcionais, a nosso ver,
podem continuar a ser realizadas sem problemas, desde que o veterinário, ao
efetuar os procedimentos, não vai caracterizá-los como estéticos, e sim como
funcionais.
Ressalte-se, finalmente, que por não
haver lei regulando a matéria, deve ser aplicado aos casos em análise, por
semelhança e analogia, a medicina humana, ou seja, posso efetuar uma cirurgia
corretiva nas orelhas de meu filho, mas não posso adaptar o meu cão às suas
funções rácicas.
Assim, como jurista, professor,
Magistrado e criador da raça dobermann, espero que a absurda resolução possa ser
revogada pelo próprio conselho, ou corrigida rigorosamente pela Justiça do
nosso país.
JOSÉ RUY BORGES PEREIRA
DESEMBARGADOR
DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO
Mestre
em Direito Processual Penal pela PUC/SP
Transcrevo integralmente abaixo os
textos técnicos em que fundamento o artigo acima.
O mito das “cirurgias estéticas” em
cães.
Recente
matéria, veiculada na mídia, sobre a regulamentação de alguns procedimentos
cirúrgicos em animais, trouxe à tona um tema bastante polêmico: O mito sobre as
chamadas “cirurgias estéticas” em cães.
Como médica
veterinária, professora universitária, criadora e simpatizante dos movimentos
de proteção animal, não posso deixar de me preocupar com as conseqüências para o bem
estar animal da resolução 877 do Conselho Federal de Medicina Veterinária.
Considero
que a colocação em prática desta resolução, sem uma avaliação mais profunda
de suas implicações futuras, ao invés de estimular princípios básicos da
profissão de Médico Veterinário, só estimulará uma atuação amadora e não
ética.
A ação
restritiva imposta aos médicos veterinários, credenciados e legalizados,
invariavelmente acarretará a proliferação do charlatanismo.
É
preciso enfatizar que a conchectomia (cirurgia de orelha) e a caudectomia (corte da cauda), realizadas dentro
de técnicas cirúrgicas adequadas e por profissionais competentes, não podem ser
consideradas cirurgias desnecessárias, estéticas oumutilantes. São cirurgias eletivas, atendendo perfeitamente às necessidades funcionais e
zootécnicas para as quais as raças caninas, que dela se
utilizam, foram desenvolvidas. Realizadas por pessoas não credenciadas,
constituem um risco enorme ao bem estar animal.
A
tradição de se rotular estas cirurgias como “estéticas” ou “mutilantes” foi adquirida em função do
desconhecimento de alguns princípios básicos que tentaremos esclarecer.
1) Biologia.
O cão doméstico (Canis
lupus familiaris) é uma variedade
ou sub-raça do lobo (Canis lupus) pertencem a classe Mammalia (1).Na maioria das vezes não nos damos
conta que uma das principais características desta classe é a presença de
meato auditivo longo e aurículas externas grandes, móveis e em concha. Essas
características dos mamíferos térreos contribuem para o aumento da acuidade
auditiva. Além disso, a aurícula ajuda a determinar a direção do som e, em
conjunto com um meato auditivo longo, concentra sons oriundos de uma área
relativamente grande. Nenhum mamífero térreo, exceto as variedades ou
sub-raças dos animais domésticos desenvolvidas pelo homem, possui o meato
auditivo encoberto pela aurícula. A sensibilidade auditiva de um mamífero
terrestre pode ser reduzida se as orelhas são totalmente removidas ou quando algum detalhe anatômico
dificulta a penetração do som no conduto auditivo.
2) História.
Desde a
pré-história os homens primitivos representavam os canídeos com as orelhas
eretas. No Brasil, o homem pré-histórico, que provavelmente habitou o cerrado
a partir de 15 mil anos atrás, deixou inscrições na forma de figuras gravadas
ou pintadas na rocha (figura 1). Abundantes e visualmente impactantes, os zoomorfos (representações de animais) se
destacam nos sítios arqueológicos do Brasil central (2).
No norte
da Europa, descobriu-se "cães das turfeiras" que datam de 10.000
a.C. e cujo estudo permitiu concluir que esta variedade tinha a aparência de
um Spitz do Norte, de orelhas curtas e retas, pêlo longo e cauda enroscada
por cima dos quartos traseiros.
No Egito
era freqüente a representação de cães assemelhados a
galgos de
orelhas eretas, nas pinturas murais ou nos baixos-relevos.
Os
gregos foram os primeiros a adotarem os cães como animais de companhia. Em
vasos pintados e colunas da época clássica, aparecem cães de caça de orelhas
finas e pontudas e focinho afilado.
Num dos
mais célebres mosaicos de Pompéia (figura 2), aparece a representação de um cão de orelhas
eretas, com uma expressiva legenda que aparece destacada no mosaico:
"Cuidado com o cão" (Cave canem) (3).
3) Evolução e função zootécnica.
Ao longo dos séculos,
através da domesticação, o ser humano realizou uma seleção artificial dos
indivíduos que melhor atendiam aos seus objetivos. O resultado foi uma grande
variedade de raças caninas.
Partindo
do princípio que os cães primitivos tinham o pavilhão auricular ereto, o
desenvolvimento de raças caninas de orelhas pendentes surgiu por intermédio
de seleção artificial, talvez na intenção diminuir a audição dos cães para a
caça. Esta seleção artificial resultou em alterações anatômicas de conformação do canal
auditivo e orelhas pendentes, principais fatores predisponentes proliferação
de microorganismos, desenvolvimento de otites e surdez (4).
Há de se
notar que a conchectomia não é praticada nos cães cuja função
zootécnica é a caça, ficando praticamente restrita aos cães de proteção que
necessitam de maior acuidade auditiva na realização da função para o qual foi
selecionado.
A conchectomia realizada dentro de técnicas éticas,
não impede de maneira alguma a capacidade de expressão do comportamento
natural da espécie, muito pelo contrário. Cortando-se parcialmente a aurícula dos cães de
proteção, os movimentos de ereção, abaixamento e rotação das orelhas ficam
facilitados, dando aos cães melhores condições de espantar insetos e se
proteger de mordida de outros cães. Tal procedimento também facilita a
circulação de ar no conduto auditivo, diminui a umidade local e melhora a
percepção dos sons e acuidade auditiva, diminuindo as chances de proliferação
de microorganismos que conduzem à otite.
Quanto à caudectomia ela é realizada nos cães de caça,
com a finalidade de evitar acidentes e está na dependência do tipo de terreno
onde o animal trabalha e da forma como o cão porta a cauda. Nos cães de
proteção, a caudectomia só é realizada nas raças que portam
a cauda acima da linha do dorso. Seu o objetivo é diminuir os pontos de apoio
para quem pretenda neutralizar a ação do cão. Todas as raças nas quais a caudectomia é realizada, têm como característica
o porte da cauda acima da linha do dorso e mobilidade acentuada. Estas
características predispõem os animais de trabalho ao desenvolvimento de
ferimentos freqüentes e neurites, o que invariavelmente conduzem a uma
amputação da cauda em idade avançada.
4) Bem estar animal.
Movimentos
contra o corte da cauda e da orelha em cães são comuns no mundo inteiro.
Muitos alegam, por desconhecimento, que se trata de procedimento mutilante, puramente estético e
desnecessário.
Como
veterinária não posso concordar integralmente. Concordo que uma conchectomia radical (com interferência em
músculos e nervos) possa ser prejudicial e considerada mutilante (figura 3). Entretanto, a conchectomia e a caudectomia, realizadas dentro de técnicas
cirúrgicas adequadas e por profissionais competentes, não podem ser
consideradas cirurgias desnecessárias, estéticas ou mutilantes. São cirurgias eletivas, atendendo perfeitamente às necessidades funcionais e
zootécnicas para as quais as raças caninas, que dela se
utilizam, foram desenvolvidas. Realizadas por pessoas não credenciadas ou com
técnicas radicais, é um risco enorme ao bem estar animal.
Como
criadora há várias décadas e proprietária de cães, tanto com orelhas cortadas (figura 4) quanto com
orelhas integras (figura 5), posso afirmar que os cães com orelhas cortadas
têm maior acuidade auditiva, menor tendência a desenvolver otite e a
chacoalhar as orelhas. Por sua vez os cães com orelhas íntegras têm menor
predisposição ao ataque de moscas sugadoras. Quanto à estética, não vejo
diferença alguma. Há algum tempo já optei por deixá-las integras, mas o
proprietário tem direito ao livre arbítrio.
Como
protetora, pude observar que os filhotes das raças que são submetidos à conchectomia, realizadas por veterinários, recebem mais atenção de seus
proprietários na principal fase de desenvolvimento de sua personalidade, são
tratados e vacinados adequadamente, raramente são abandonados e em caso de
necessidade, são mais facilmente recolocados em lares adotivos. O mesmo não
acontece com os filhotes que são submetidos a cirurgias mutilantes em “rinhas de cães” e locais
assemelhados.
Como
educadora, não posso deixar de me preocupar com as conseqüências da resolução
877 do CFMV. A resolução do Conselho tem efeito restritivo
apenas para o médico veterinário e não sobre pessoas desabilitadas e inescrupulosas,
reais responsáveis pelos prejuízos ao bem estar animal.
Maria Ignez Carvalho Ferreira
Professora
adjunto do Departamento de Medicina e Cirurgia
Instituto de Veterinária
Universidade Federal Rural do Rio de
Janeiro
CRMV RJ 1.417.
Figura
1: Arte rupestre no Brasil. Na pintura, um canídeo parece latir de forma
ameaçadora para um veado (Foto Ana Carolina Neves) (2).
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Figura
2: "Cuidado com o cão" (Cavecanem), famoso mosaico de Pompéia (3).
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Figura 3: Lesão de nervos
cranianos e alteração da capacidade de expressão, provocada por conchectomia radical.
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Figura
4: Cadela com orelhas cortadas porintermédio de técnica cirúrgica adequada.
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Figura
5: Cadela com orelhas integras.
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Bibliografia:
1 – Mammalia. In: Wikipédia: A enciclopédia
livre. Disponível em:
<http://pt.wikipedia.org/wiki/Mammalia>. Acesso
em 21 de março de 2008.
2- Neves, A.C.; Mourão, F.; Krettli, L.; Figueira, J.E.; Barbosa, P.M. No rastro dos mamíferos: um safári
na savana brasileira. CienciaHoje, v. 38, n. 227, p. 70, 2006. Disponível
em:<http://ich.unito.com.br/51506>. Acesso em 21 de março de 2008.
3 – O cão na antiguidade. Disponível
em <http://www.dogtimes.com.br/
antiguidade.htm>. Acesso em 21 de
março de 2008.
2007/toc.asp>. Acesso em 21 de
março de 2008.
Corte de orelha - Conchectomia
Conceito:
Partindo do princípio que os cães primitivos e os selvagens
tinham o pavilhão auricular ereto e em forma de concha, o homem, ao longo do
tempo, reconheceu que esta realidade beneficia as condições de proteção e
audição. Talvez seja esta a real intenção do homem em formatar orelhas
grandes e pendentes em conchas eretas em algumas raças, propiciando além de
um corte estético, o fator proteção.
Parece que nós, humanos, é que quisemos aumentar o tamanho
das orelhas dos cães, talvez na intenção de fechar o conduto auditivo para
diminuir a audição nos cães de caça, para não se distraírem do faro como é o
caso do Basset Hound, Bloodhound, Cocker Spaniel, entre outros, resultando
obviamente em maiores problemas nas orelhas e conduto auditivo, como otites
(infecção nos ouvidos), fungos, sarnas, otohematomas (descolamento da cartilagem por
hemorragia auricular), injurias, dilacerações, alopecia, sangramento, miíases (bicheira), surdez e dermatites.
Percebemos que orelhas pendulares são sempre alvos fáceis e
com pouca chance de defesa, acarretando em uma maior incidência de problemas.
Um cão doméstico com orelhas pendulares se fosse solto na natureza
provavelmente morreria rapidamente, pois qualquer ferimento no pavilhão,
atrairia insetos,
moscas, e fatalmente uma miíase ocorreria, levando o animal a morte em pouco
tempo.
Novos Movimentos:
Cortando parcialmente o pavilhão, se promovem três
movimentos das orelhas, o da ereção, abaixamento e rotação, dando condição ao
cão de espantar insetos, se proteger de mordida de outros cães, melhorar a
audição, diminuir as chances de proliferar fungos, sarnas e bactérias que
induzem a otite.
Cães que mergulham:
Em cães que tem habilidade de mergulhar como o Pit Bull, as orelhas cortadas promovem
uma condição ideal para a oclusão total do conduto auditivo, observamos então
que o cão que tem orelhas cortadas tem melhor desempenho ao mergulhar do que
o cão que tem as orelhas integras.
Estética:
A partir do momento em que o homem começou a cortar o
pavilhão auricular na intenção de diminuir e modificar o formato da orelha,
automaticamente a evolução estética deste procedimento vem se tornando uma
realidade, a ponto de ser considerado por muitos uma obra de arte,
enaltecendo a expressão de muitos cães, que por vezes não tinham tal expressão
definida por falta de qualidade na conformação.
Em muitos casos é feita a prática do corte de orelhas em
cães mestiços, em geral no interior, com o intuito de beneficiar a condição
de defesa do cão para a lida no dia a dia com animais.
Aumento da Imunidade:
Alguns Autores dentre eles de la Torre - Dobermann Express –
Argentina nº16 (1993), alegam que o corte das orelhas aumenta sensivelmente a
imunidade do cão contra vírus do tipo Cinomose, Parvovirose entre outros.
Ensino:
Lamentavelmente os Médicos Veterinários treinados para a
prática da Conchectomia, que é uma cirurgia que exige alta
meticulosidade de detalhes, estão em pequeno número.
A falta de interesse das Universidades em ensinar a devida
técnica para este procedimento é um fato, além de não oferecerem estes serviços nos ambulatórios
cirúrgicos, favorecendo uma atuação amadora e não ética de muitos criadores,
que por sua vez acabam cometendo atos de maus tratos nos cães que são
submetidos a bandagens mal feitas e operados em condições higiênicas
inadequadas.
Prevenindo o pior:
Efetuar a conchectomia na idade jovem, com o filhote em
boas condições de saúde, onde todo o procedimento é facilitado, desde a
cicatrização até a colocação das orelhas na posição correta, sem dúvidas é
muito melhor comparado a conchectomia feita como tratamento em cães
adultos que sofrem perda parcial do pavilhão, ou tem que ser operados por
alguma razão que tenha danificado o pavilhão auricular, como também no caso
da necessidade da fenestração de ouvido externo, utilizada para melhorar a
condição de um caso de otite crônica, sem falar nas deformidades de orelhas
provocadas pelo otohematoma (provocado por trauma freqüente,
como o movimento de chacoalhar das orelhas).
Indicamos a prática da conchectomia feita sob condições e técnicas
sofisticadas como a de uma osteossíntese ou cesariana, onde o material
cirúrgico é esterilizado e o procedimento feito por um profissional com larga
experiência, e com uma condição de acompanhamento semanal do filhote para se
trocar as bandagens quando necessário, nos momentos corretos, com um
resultado eficiente e esteticamente admirável, e que evite qualquer
desconforto no filhote, do contrário é preferível que o animal fique com as
orelhas íntegras mesmo que em condições suscetíveis à problemas que nem
sempre podem ser resolvidos.
Proibição:
A proibição do corte de orelhas ocorre em poucos
países da Europa, dentre
eles a Alemanha e Inglaterra, que adotaram uma posição radical. Entidades
especializadas destes países são contrárias à proibição, a exemplo do que
ocorreu na Mundial da Alemanha no ano de 2003, onde foi proibida a
participação de cães operados, reduzindo sensivelmente a freqüência em pista
dos melhores exemplares da Europa, e conseqüentemente não classificando os
melhores cães na realidade, selecionando inadequadamente os exemplares das
variadas raças.
Mesmo com a intervenção de entidades protetoras no sentido
de cancelar esta exigência, as solicitações não foram aceitas, e o julgamento
da raça Dobermann como exemplo foi feito frente a 40 exemplares mal
representados, ao contrário das mundiais anteriores com freqüência de 400-700
Dobermanns. Portanto aqui no Brasil, como não há proibições, sugerimos que as orelhas sejam operadas por
Veterinários qualificados e nas idades adequadas, como pedem os padrões das
raças.
- Raças populares no Brasil que cortam orelhas:
Schnauzers, Pinscher, Boxer, Dobermann, Dogue Alemão, Pit Bull, Dogo Argentino, Mastino Napolitano, Grifon de Bruxelas, AmericanStafordshire Terrier, Bouvier de Flandres, Cane Corso, Presa Canário.
- Técnica indicada:
Sedação com anestesia local, onde o sangramento é
totalmente controlado com termocautério, e com sutura em toda sua extensão, facilita-se
um correto posicionamento e cicatrização. É um procedimento feito em torno de
30 minutos, podendo o filhote retornar para sua residência logo que a
cirurgia termina. Os pontos devem ser removidos sete dias após a cirurgia, e
as bandagens quando necessárias devem ser trocadas semanalmente até que as
orelhas se posicionem corretamente.
O autor que já realizou mais de sete mil cortes de orelhas
em variadas raças é contra o uso de capacete ou qualquer suporte metálico ou
de plástico que possa machucar ou promover desconforto ao filhote. A sugestão
é de bandagens com esparadrapo.
- Idade Ideal para o Corte das Orelhas:
Cães de pequeno porte como Schnauzer Mini, Pinscher: 4 meses de idade.
Cães de médio porte como Boxer, Dobermann: 2 meses de idade.
Pit Bull: 2-4 meses
Cães de grande porte como Dogue Alemão, Mastino Napolitano: 50-70 dias de idade.
- Correções de orelhas mal posicionadas:
Existem várias técnicas para serem utilizadas na intenção
de corrigir problemas que por ventura possam ocorrer em função de
complicações pós-operatórias, trazendo mais segurança nos dias de hoje para a
garantia de sucesso no corte das orelhas.
Agradecemos ao Dr.
Edgard Morales Brito
Fonte: http://www.canilsavatage.com.br/Conchectomia.htm
RESOLUÇÃO Nº 877, DE 15 DE FEVEREIRO
DE 2008
Dispõe sobre os procedimentos
cirúrgicos
em animais de produção e em animais
silvestres; e cirurgias mutilantes em
pequenos animais e dá outras
providências.
O CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA
VETERINÁRIA –
CFMV, no uso das atribuições que lhe
são conferidas pela alínea “i” do Artigo 6
e alínea “f” do Artigo 16 da Lei nº
5.517, de 23 de outubro de 1968, combinado
com os Artigos 2 , 4 e 6 inciso VIII, Artigo 13 inciso XXI e
Artigo 25 incisos
I, II e
III da
Resolução nº 722, de 16 de agosto de 2002,
considerando a necessidade de disciplinar,
uniformizar e normatizar
procedimentos cirúrgicos em animais de produção e
em animais silvestres;
considerando que esses procedimentos cirúrgicos
devem ser
realizados em condições ambientais aceitáveis,
com contenção física, anestesia e
analgesia adequadas, e técnica operatória que
respeite os princípios do pré, trans
e pós-operatório;
considerando a necessidade de disciplinar,
uniformizar e normatizar
cirurgias mutilantes em pequenos animais;
considerando que as intervenções cirúrgicas ditas mutilantes, em
pequenos animais, têm sido realizadas de
forma indiscriminada em todo o País e
que muitos procedimentos são danosos e
desnecessários, o que fere o bem-estar
dos animais;
considerando que é obrigação do
médico-veterinário preservar e
promover o bem-estar animal,
RESOLVE:
CAPÍTULO I
DAS DISPOSIÇÕES GERAIS
Art. 1 Instituir, no âmbito do Conselho
Federal de Medicina
Veterinária, normas regulatórias que
balizem a condução de cirurgias em animais
de produção e em animais silvestres; e
cirurgias mutilantes em pequenos animais.
Art. 2 As cirurgias devem ser realizadas,
preferencialmente, em
locais fechados e de uso adequado para esta
finalidade.
Art. 3º Todos os procedimentos
anestésicos e/ou cirúrgicos devem
ser realizados exclusivamente pelo
médico-veterinário conforme previsto na Lei
nº 5.517/68.
Parágrafo único. Devem ser
respeitadas as técnicas de antissepsia nos
animais e na equipe cirúrgica, bem como a
utilização de material cirúrgico estéril
por método químico ou físico.
CAPÍTULO II
DOS PROCEDIMENTOS CIRÚRGICOS EM
ANIMAIS DE PRODUÇÃO
Art. 4º Não se recomenda o uso
exclusivo de contenção mecânica
para qualquer procedimento cirúrgico,
devendo-se promover anestesia e
analgesia adequadas para cada caso (conforme
estabelecido no Anexo 1).
Art. 5 O escopo desta Resolução abrange as
cirurgias realizadas
em locais onde não haja condições
ideais para garantir um ambiente cirúrgico
controlado.
§1º Todos os procedimentos devem ser
realizados de acordo com o
previsto no Anexo 1 desta Resolução, observadas
as suas indicações clínicas.
§2 São considerados procedimentos
proibidos na prática médicoveterinária:
castração utilizando anéis de borracha, caudectomia em ruminantes
ou qualquer procedimento sem o respeito
às normas de antissepsia, profilaxia,
anestesia e analgesia previstos no Anexo 1
desta Resolução.
§3 São considerados procedimentos não
recomendáveis na prática
médico-veterinária: corte de dentes e caudectomia em suínos neonatos e
debicagem em aves.
CAPÍTULO III
DAS CIRURGIAS EM ANIMAIS SILVESTRES
Art. 6 As cirurgias realizadas em animais
silvestres devem ser
executadas de preferência em salas cirúrgicas
ou em ambientes controlados e
específicos para este fim, respeitado o disposto
nos Artigos 2º e 3º desta
Resolução.
Parágrafo único. Fica proibida a
realização de cirurgias
consideradas mutilantes, tais como: amputação de artelhos e
amputação parcial
ou total das asas conduzidas, com a
finalidade de marcação ou que visem impedir
o comportamento natural da espécie.
CAPÍTULO IV
CIRURGIAS ESTÉTICAS MUTILANTES EM
PEQUENOS ANIMAIS
Art. 7 Ficam proibidas as cirurgias
consideradas desnecessárias ou
que possam impedir a capacidade de
expressão do comportamento natural da
espécie, sendo permitidas apenas as
cirurgias que atendam as indicações clínicas.
§1 São considerados procedimentos
proibidos na prática médicoveterinária:
conchectomia e cordectomia em cães e, onicectomia em felinos.
§2 A caudectomia é considerada um procedimento
cirúrgico não
recomendável na prática médico-veterinária.
Art. 8 Todos os procedimentos cirúrgicos
devem ser realizados
respeitando o previsto nos Artigos 2º e 3º desta
Resolução.
CAPÍTULO V
DAS DISPOSIÇÕES GERAIS
Art. 9 Os casos omissos serão avaliados
pela Comissão de Ética,
Bioética e Bem-Estar Animal
(CEBEA) e submetidos à apreciação do Plenário
do CFMV.
Art. 10. Esta Resolução entra em
vigor na data da sua publicação
no DOU, revogadas as disposições em
contrário.
Méd.Vet. Benedito Fortes de Arruda
Méd.Vet. Eduardo Luiz Silva Costa
Presidente Secretário-Geral
CRMV-GO Nº 0272 CRMV-SE Nº 0037
Publicada no DOU de 19-03-08, Nº 54,
Seção 1, página 173
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